No último sábado fomos ao teatro assistir “a Dama e o Vagabundo”, uma história fofa, que muito diz da relação entre cachorros e seus donos. Davi adorou o espetáculo, ficou concentrado o tempo todo, bateu palminhas. Poderia ter ficado só nisso se o Vagabundo não tivesse dito uma frase que não saiu da minha cabeça: “O coração humano não tem espaço para aflição. Quando o bebê chega o cachorro dança.”
Eu nunca quis ter um cachorro. Apesar de não ter nada contra e achar os caninos das amigas fofinhos, não me via dividindo a casa com um animal tão, digamos, espaçoso. Já o Leandro sempre quis ter um. Era sua promessa para depois do casamento. Só não esperava que ele fosse cumpri-la tão rápido, antes de nem debater mais sobre o asunto.
Dois meses depois do casório, ele me apareceu com um filhote de surpresa. Eu quase morri! Me esguelhei, gritei, fechei a porta, disse que ele não entraria em casa com o bicho. Os vizinhos devem ter pensado que o casamento não passaria dali. Fiz ameaças de morte, disse que o jogaria em algum terreno baldio. (a louca!). Todo esse desespero durou poucas horas. Me apaixonei por aquele pedacinho de cachorro, com aquela carinha de quem queria um lar. Para completar, o Chico chegou muito doente e precisamos fazer um tratamento de meses para ele se recuperar. Lógico que muito me apeguei.
No meu caso, o Chico meio que preencheu uma necessidade maternal do meu coração. Cuidava como filho, tratava meio como filho, chamava de filho. Não sei se isso é normal ou se eu exagerei. Já o Leandro, apesar de gostar muito de ter cachorro, sempre teve clareza de que o Chico era um cachorro. Dava muito carinho mas deixava claro que se tratava de um animal. Taí a diferença entre homens e mulheres. Concordo muito quando o Leandro diz que falta masculinidade na minha vida.
Lia aquelas histórias de famílias que abandonam cachorros depois da chegada de um bebê e achava surreal, um absurdo, dizia que nada mudaria na nossa relação. Achava que o amor seria o mesmo. Até que o Davi chegou! E é muito louca a chegada de uma criança na família. Tudo muda MUITO. O pequeno precisa de atenção, você tem medo de doenças, as pessoas condenam a aproximação do cachorro com o bebê. Um monte de coisas passa na nossa cabeça com hormônios em ebulição total.
Mesmo assim, cumprimos o combinado. O Chico continuaria participando ativamente da rotina da nossa casa, dormindo na nossa cama, próximo de nós. O Leandro ficaria responsável por dar atenção, carinho, limpar xixi e cocô, brincar. Eu não me aproximaria muito e evitaríamos o contato direto do bebê com o cachorro pelo menos no primeiro mês. Antes do Davi chegar em casa, o Leandro levou um meia que ele tinha usado na maternidade e deu para o Chico. Chegamos, o Chico achou estranho, quis se fazer próximo mas não deu muito trabalho. Se comportou bem e entendeu rapidamente o que estava acontecendo.
Inevitavelmente a nossa relação mudou. Eu nunca mais fui a mesma com ele. Nos primeiros seis meses, o Davi exigiu todas as nossas energias. Não tinha ânimo para dar atenção ao cachorro. Muitas vezes me irritava porque ele latia e acordava o pequeno ou porque ele lambia a cara dele (o que aconteceu desde que Davi tinha uns três meses) ou porque ele roubava e destruia um brinquedo. E aí passei a entender o que acontece com as famílias quando o bebê chega e o cachorro sai. No entanto, ao mesmo tempo que entendia não me conformava com o abandono do animal.
Sempre tive clareza que o Chico não pediu para estar na nossa família. E uma vez que aqui estava, precisa de respeito, atenção e paciência. Bato palmas para o Leandro por isso. Todas as vezes que eu perdia a paciência com o Chico, ele me lembrava isso. E foi ele que me fez refletir sobre como as coisas estavam se encaminhando, depois de alguns puxões de orelha.
Por fim, olhando pelo lado positivo, acho que o Chico finalmente assumiu o papel de um cachorro na nossa casa. O Davi é apaixonado por ele, passa o dia todo atrás. Já levou 3 mordidinhas merecidas do canino por esmagá-lo. Em todas elas, mostramos para o Davi o quanto precisamos respeitar os animais. Os dois vivem enroscados e correndo, geralmente o Chico do Davi. E é impressionante como o instinto protetor do Chico já é forte: quando o Davi chora, ele se aproxima, dá uma lambida ou coloca um brinquedinho próximo para brincarem.
Esse conflito de relações foi o principal motivo da demora do Chico aparecer por aqui. Hoje tenho certeza que a fase mais difícil está passando. Em breve, vamos lembrar vagamente o quanto a adaptação foi difícil e longa. Daqui a pouco vai ser o Chico que vai correr atrás do Davi. E vamos adorar que ele nos faça companhia quando o Davi for passear com algum amiguinho ou preferir ficar na casa da vovó. Tenho certeza que toda a nossa família ainda tem muito a aprender com essa relação de mundos diferentes.
Ao Chico, só tenho a agradecer. Pelo companheirismo, pela lealdade, pela cumplicidade, pela compreensão e paciência que muitas vezes me faltou. Obrigada, meu querido cachorro. Você será sempre o nosso filho mais velho!
Fotos da Aline Machado.